Dia da mamografia: prevenção para quem?

Dia 4 de janeiro é o Dia mundial contra o câncer e o dia seguinte é o Dia da Mamografia. Por isso a semana inteira quase todo dia acabei vendo uma propaganda sobre a doença. Em primeiro lugar as pessoas falavam de cabelo, de maquiagem. Logo em seguida explicações de como precisamos nos prevenir. como se fosse muito fácil e barato. Por causa disso, a única coisa que pensava era se estavam realmente falando da mesma doença. E quando iriam começar a falar de políticas públicas e números. Esses que não deveriam alimentar qualquer ingenuidade.

  • 10 milhões de pessoas morreram em 2020.
  • 1 em cada 5 pessoas que agora pisam no planeta vai ter a doença.
  • O número de pessoas diagnosticadas será 50% maior em 2040, com uma estimativa aproximada de 30 milhões de pessoas afetadas e mais de 16 milhões de mortes.
  • A incidência da doença aumentará em 81% nos países de baixa e média renda.
  • O cancêr de mama ultrapassou os casos de câncer de pulmão em 2020, com mais de 2 milhões de novos casos no mundo inteiro. Um crescimento de 11.7%.
  • O tempo média que se gasta para diagnosticar diagnóstico de câncer de mama subiu de 28 para 45 dias no Brasil.

O privilégio de fazer uma mamografia no meio de uma pandemia

É claro que precisamos fazer aquilo que está ao nosso alcance para nos proteger, o Dia da mamografia é sobre isso também. Mas pensando bem, você já parou para pensar em cada uma das recomendações que a OMS faz a partir de questões culturais e sócio-econômicas? Afinal sobre o que deveria ser o Dia mundial contra o câncer? Não certamente sobre inspiração mas sobre o horror de ver mortes que poderiam ser facilmente evitadas acontecer. Falamos em prevenção mas para quem?

Esse ano mais uma vez tive de fazer exames. Um momento que se tornou ainda mais solitário durante a pandemia. Ainda assim, possível. Coisas que não compartilho mais em público porque facilmente são transformadas em perspectivas pessoais. Quando na realidade falam sobre um mundo de mulheres. Que não tem como ligar para o convênio e apesar de todo o racismo, minimamente se cuidar. Essas que não podem se ausentar do trabalho, porque são “da família”. Ou ainda cuidando de pessoas na linha de frente.

Segundo a Fundação Câncer, em 2020 o número de mamografias realizadas no SUS caiu em 84% em relação à 2019. É sobre isso que de vemos falar no Dia da mamografia. Pode haver um aumento de 30% na mortalidade por câncer no próximo ano por causa de uma onda de problemas associados a Covid-19 pois as pessoas não puderam se tratar. Os números não mentem, houve uma diminuição de 75% das operações realizadas nos grandes centros hospitalares de oncologia nos meses de abril e maio em 2020.

No Dia da Mamografia, algumas reflexões sobre o mito da prevenção

É muito fácil dizer que evitar o tabaco é necessário. Mas o que ninguém fala é que o consumo de cigarros é muito menor entre aqueles que têm mais anos de estudo. O que está em jogo é o acesso à informação. Em 2019, entre aqueles que estudaram durante 0 a 8 anos, 13% se declaram fumantes; sendo 8,8% na faixa de 9 a 11 anos; e 6,2% para aqueles com 12 anos ou mais.

Ademais, comer uma dieta saudável repleta de frutas e vegetais parece uma decisão puramente pessoal. Até que você saiba o que são e onde estão os desertos alimentares. Se você tem de se deslocar muito para acessar alimentos essenciais à uma alimentação saudável, sabe do que estou falando. A maior concentração de varejos de alimentos e de feiras-livres se encontram nas regiões centrais da cidade, havendo uma penetração maior de alimentos ultraprocessados nas periferias.

Se exercitar regularmente é outra das recomendações que você certamente ouviu à exaustão no Dia mundial contra o câncer. Mas onde estão os equipamentos públicos como parques e quem tem grana para pagar uma academia? Quanto tempo você leva para chegar até um parque ou uma praia? Quanto você gasta com isso? Pois é.

E a poluição nas cidades?

Outra recomendação que me intriga é evitar poluição urbana e fumaça de cigarro em ambientes fechados. Como é que se faz isso? No começo da pandemia a qualidade do ar até deu uma trégua, mas a gente sabe que não é assim todo o tempo. Respirar ar poluído “expõe as células da mucosa do trato respiratório à ação de agentes com alta propriedade mutagênica, aumentando a possibilidade do surgimento de câncer.”

Além disso, temos a “poluição atmosférica, que está diretamente relacionada ao aquecimento global e ao buraco da camada de ozônio, possibilitando uma maior incidência dos raios ultravioletas provenientes do Sol, que também apresentam alto potencial cancerígeno.” Como a gente faz, tem de parar de respirar? E nesse meio tempo onde enfiamos o Dia da mamografia?

Apesar dos pesares, siga em frente, sempre

Finalmente, gostaria de deixar meu abraço a todas as pessoas que nesse momento estão em perigo. Esses números, cada um deles, são uma estória. Alguém que por exemplo gosta de andar na praia, comer batata frita, tem filhos e netos. Eu mesma que adoraria aprender a tricotar e desenhar todos os dias. Não chorar tanto com medo, mesmo sabendo que ele faz parte, não faz bem…

Por isso e por nós escrevo. Essa dor é minha e de muita gente. O que posso dizer é que sigamos em frente, mesmo quando não queremos. Aqueles momentos em que a vida parece não valer a pena, passam. As horas em que estamos cansadas de mais uma consulta, mais uma quimio, mais uma porta que se fecha na nossa cara., passam.

Continue, você é importante para alguém. E somente você pode contar sua estória.

Referências

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