Quando falo sobre caminhada, tenho em mente pessoas que convivem com o sedentarismo. Há muitas circunstâncias em que não dá para se mexer, mas aqui quero falar daquelas em que está quase tudo bem, só falta o essencial: energia e o preparo mental para sair do lugar. Você já viveu algo parecido, quando sequer consegue se levantar da cama ou arruma um lugarzinho na sala e fica lá por horas e às vezes por dias? Ou está cansada demais para continuar se mexendo depois de um dia exaustivo?
Para quem convive com a bipolaridade, a vida também pode ser montanha russa, dizem. Mas algumas vezes ela também se caracteriza por prolongados períodos de baixa, em que a gente não consegue sequer tomar banho, comer direito, fazer as coisas que algumas pessoas sequer pensam para fazer. Como escovar os dentes, pentear os cabelos. E sair de casa, mesmo que seja para dar uma voltinha no quarteirão, ir naquele evento profissional, estar com a família.
Muitas vezes temos energia, mas o mundo lá fora não colabora, só envia olhares que a gente não tinha que lidar. Por sermos pretas, gordas, por exemplo. Sabe quando você está feliz no seu mundo e vem aquela pessoa escrota acabar com esse momento? Ou quando você não acompanha aquela atleta que passa por você, fazendo a gente se sentir inadequada. Vem a vergonha, o medo, a vontade de parar.
Ela me disse para escrever
E se tomo coragem para falar sobre isso é porque alguém muito importante para mim disse que escrever me ajudaria muito com isso. Uma terapeuta negra que foi muito e ainda é importante para mim. É como uma metáfora para a liberdade, para não viver com esses fantasmas escondidos, como segredos que deixaria para levar comigo para o caixão. Sim, falar sobre a mobilidade é um desafio, mas que seja para colocar ao menos a mente para se movimentar.
Sinto que essa é uma responsabilidade, porque sempre falei em caminhar, como se fosse fácil. E pode ser, superadas barreiras que nem sempre são fáceis de tirar do lugar. E como alguém que convive com a bipolaridade, a caminhada, o corpo em movimento é um desafio. A falta de energia também é confundida como falta de vontade, as fases de euforia deixam para trás promessas impossíveis de cumprir muitas vezes decepcionando a nós mesmas e aqueles que estão em torno da gente.
O medo de estar em meio às pessoas também é uma realidade que pode nos aprisionar. E não é dentro da gente mesmo, é realmente dentro de casa. Porque a mente continua tecendo planos mirabolantes mas o corpo não acompanha, sequer tem força para uma caminhada. E quando saímos, lidar com os efeitos de grandes períodos de sedentarismo não é fácil. As pernas desacostumaram, a cabeça resiste. Quem nunca?
E a caminhada, como anda?
Essa é a pergunta. Então, antes de sair por aí andando, acho que cabe uma reflexão. É o tipo de coisa que a gente só percebe passando por isso e é exatamente onde me encontro agora. A caminhada é um dos exercícios de mobilidade que mais recomendo por ser relativamente barata e grandemente recompensadora. Mas é preciso preparar a mente para isso. Fortalecer entre uma orelha e outra.
Se você passa por tudo isso, sabe bem como é. Não é uma preguicinha, muitas vezes é um buraco que nos afeta fisicamente. E como a alimentação está desregulada para muitas de nós, prestar atenção no que a gente come é muito necessário. Pensar num prato bem colorido pode ajudar, quem sabe um mês ou dois antes de começar a caminhada.
Esse é o momento em que me encontro.
A caminhada não anda bem, mas vai ficar xuxu beleza daqui a pouco.