Tem dos dias de tristeza e…
Aquele que não tem memória, arranja um papel.
Gabriel Garcia Marquez
Tem aqueles dias em que você conseguiu. Está estável e contando. Mas daí acontece aquela coisinha que te fazem lembrar que está tudo parecendo muito bem, porém não está. A gente não quer morrer mas… Fica fragilizada. Sei bem como é, vejo no rosto do meu pai como acontece.
Ele se esquece das coisas mais simples, o que comeu ontem ou até das lembranças mais preciosas como as nossas brincadeiras. Nós, nós dissemos… Mas ele não se lembra e fica olhando triste para o vazio.
Vai ser assim comigo também?
Será que já está acontecendo? E será que as pessoas vão entender? Como é que eu falo? Como? Afinal, eu mereço tamanha compreensão? Aliás, mereço tamanha humanidade? Porque sempre tento, quando é com meu pai, falar com calma. Porque, dizer para ele o que foi esquecido é não apenas lembrar o fato em si mas confrontá-lo com a própria fragilidade. Aquela que ele não quer lembrar.
É por isso que escrevo agora. Para dizer que um dos mais insidiosos sintomas da bipolaridade é o esquecimento. E não é minha culpa, nem sua.
A gente fritou nossos neurônios através das crises e precisa agora lidar com as sequelas. A falta de memória pode ser e é incapacitante, por favor não se esqueça de que nem todos conseguem lembrar. Isso acontece com gente jovem, basta ter tido inúmeras crises ao longo da vida. Acontece por causa da idade. Da bipolaridade.
Como se sente quem perde a memória?
Triste.
Porque sempre fui uma pessoa com grande habilidade cognitiva e é muito triste ver isso ir embora, talvez antes do tempo. É como ter sido roubado para uma doença que levou vinte anos para ser diagnosticada. Mas posso me dar ao luxo de perder mais um minuto para esse transtorno.
Preciso falar para que eu mesma me lembre que é importante. Para que me humanize de novo. Para acreditar que sou e somos importantes e ser bipolar não deveria mudar isso. Bem. não deveria.
Como acontece a perda de memória no paciente bipolar?
É simples.
Essas crises são seguidas por descargas de substâncias como o glutamato e a dopamina. Para tentar controlar o “incêndio”, o organismo envia ao cérebro células protetoras, Flávio explica: “Essas células produzem inflamação, causando a perda de conexões entre neurônios. São os achados mais recentes, nem estão publicados ainda”.
A pesquisa ainda evidenciou que após cinco episódios do transtorno bipolar, o paciente perde 10% do hipocampo (responsável pela memória), fazendo com que o organismo acometido pela doença, responda cada vez menos ao tratamento medicamentoso. “Ele passa a ter problemas de memória, planejamento e concentração, funções ligadas à parte frontal do cérebro”, explica o psiquiatra.
Como eu devo reagir?
#CapacitismoAquiNão
- Se você convive com a pessoa, poderá perceber sintomas como fala arrastada ou acelerada. Isso pode ser um termômetro para ir mais devagar e abordar o fato que foi esquecido com calma ou tentar canalizar a euforia para a realização de uma tarefa.
- Se você até percebe a falta de memória mas não tem intimidade para falar sobre o assunto, tente ser cautelosa. Diga gentilmente o que foi esquecido sem acusar a pessoa de falta de atenção, falta de interesse ou incapacidade. Ela não faz isso porque quer e mais, deve sofrer demais com a falta de memória.
- Deixar os sentimentos de lado pode ajudar, pergunte em privado e objetivamente se a pessoa se sente bem hoje e como está sua memória e a concentração. Aproveite para perguntar como pode ajudar, se quiser.
E se é você quem tem a memória fraca, não tenha medo de falar e pedir ajuda. Não é fácil mas você sempre pode arrumar um pedaço de papel como disse o Gabriel Garcia Marquez, colocar ali todas as suas inseguranças e depois pedir para todos lerem.