Pedalar na cidade acontece por diversos motivos. Para algumas é a principal forma de locomoção. Outras acabam sendo levadas por outros caminhos, pois não dá para pagar um carro para levar e trazer sua magrela antes e depois do treino. Seja como for, todas nós enfrentamos uma realidade cruel: as ruas não foram pensadas para nossos corpos cuja liberdade ganha potência quando nos tornamos centauras de bicicleta.
Desafiamos a sensação que os motoristas tem de que a rua é uma extensão dos seus carros, que por sua vez são uma extensão da sua sala de estar. Desafiamos a ideia de que nossos corpos estão disponíveis para o outro e não para nós mesmas. Contestamos a ideia de capacidade, porque todos sabem que pedalar na cidade é também um exercício intelectual. Dizemos a todos em nossa volta que racismo, que machismo, não passarão. Nós passaremos por cima deles.
E assim como feministas, também nos construímos como ciclistas. Desde a primeira bicicleta até entendermos que a rua e a ciclovia é para a gente também, leva um tempo. Muitas de nós, ainda que educadas desde cedo com uma magrelinha, precisamos trilhar uma longa caminhada até subir no selim e de fato encarar o trânsito.
Se você está nesse momento, adoraria conversar com você.
Pedalar na cidade é fácil?
Digamos que, com o passar do tempo, você se torna mais fluente no exercício de pedalar na cidade. Porém, é um tanto perigoso dizer que se trata de algo fácil ou difícil, simplesmente.
Nunca será fácil, porque você sempre precisará estar muito atenta, segura, em posse de todos os seus sentidos. E essa talvez seja a parte menos complicada. Por exemplo, todo mundo fala para a gente ficar a direta, ocupando um terço da pista e se tornando visível. O suficiente para que o motorista atrás de você não se sina autorizado a te atropelar. Agora me diga se isso é um exercício fácil todos os dias do ano e para todas as pretas de modo automático?
Por outro lado, nós estamos fazendo isso. Pedalar na cidade é repensar nosso lugar nesse mundo. Estamos dizendo que somos negras vivas. Nos recusamos a ser invisíveis, submissas, executadas. Há momentos em que a gente precisa sim ir para a calçada, que o guidão treme e as mãos suam, que os pneus estouram, que a gente desaprende e tem medo. Mas continuamos. É por isso que uma preta em cima de uma bike incomoda tanto.
Ocupe esse espaço.
Um beijo no ombro
Esse todo dia, toda hora, é a vida. Essa é a metáfora. Pedalar na cidade é quase desobediência. De todos os incidentes que já vivi, o pior deles não foi um carro sendo jogado em cima de mim (por uma motorista com sua mãe idosa na carona). E aqui, lembro de todas as manas mais rodadas que eu, que já me ensinaram que nunca se menospreza o trânsito e a lei da inércia. E justamente por isso quero contar essa estória.
Sabe quando você está num viaduto, subindo sem fôlego? Esse era o cenário. Atrás de mim um caminhão branco. Com um homem que, ao passar fino por mim, decidiu mandar um beijo estalado na direção do meu ouvido esquerdo. O som chegou aos meus tímpanos como uma flecha, certeira e mal intencionada. Tanto que não tenho explicações para o fato de não ter me desconcentrado, não ter caído e me estatelado ali no asfalto.
Um simples ato de machismo e racismo, obviamente, poderia ter colocado tudo a perder.
Mas não é sempre assim?
Pedalar na cidade é uma possibilidade
O primeiro equipamento para passar por cima de tudo isso é você. E acontece naturalmente. Um dia a gente percebe que temos a capacidade e a força necessária para ocupar a via. E sobreviver às fininhas, aos olhares de quem nunca viu uma mulher preta pilotando um bicicletão. É algo que não se explica, é quando vem o “foda-se, a porra da rua também é minha” e vou ocupar.
E antes e depois desse momento, algumas medidas de segurança que nos dão serenidade para enfrentar os desafios de pedalar na cidade. Você precisará estar com todas elas bem inscritas em sua mente e seu coração, ser capaz de executá-las de modo automático. Aconselho que o faça em primeiro lugar na ciclovia, por pelo menos um ano, para pegar a manha da direção e partir para começar a treinar esses fundamentos.
Vamos lá.
- Permaneça à direita sim, mas você precisa ser vista. E isso só vai acontecer se o motorista atrás de você for obrigado a esperar até que você termine seu trajeto. Se posicione exatamente na linha imaginária que está a 1,5 metro de distância da calçada.
- Nunca pedale na contramão. Caso seja necessário, desça da sua máquina e não se incomode com os comentários sobre isso. O maior perigo é o de colisões com pessoas, carros e até outras bicicletas que estão no fluxo correto e não esperma que você esteja no sentido contrário.
- Sempre procure pedalar no asfalto. Por mais que seja difícil de acreditara, é mais fácil e rápido.
- Aprenda a sinalizar seus movimentos, o que é realmente desafiador para mim porque meu braço direito não é tão forte quanto deveria e manobrar fica complicado. Como ciclista iniciante, quando não consigo fazer isso simplesmente desço da bike e me torno uma pedestre.
- Respeite o pedestre. Além da calçada, as faixas também pertencem a eles.
- Os corredores de ônibus são tentadores, mas não se deixe enganar. Nem todo motorista será gentil, até mesmo porque ele pode nem enxergar você.
- Tenha sempre à mão um kit de segurança com uma bomba, pelo menos. O comunidade de ciclistas é muito companheira nas horas de apavoro, sobretudo com quem está começando. Mas nem sempre estamos em lugares onde há coleguinhas passando.
- E se os coleguinhas estiverem passando, fale um olá e vai no vácuo da galera, mas nunca do busão. Ciclista que anda em bando é mais visível.
- Abuse do capacete (equipamento de segurança qie muitas pretas menosprezam por causa do cabelo, infelizmente) mas abandone o fone de ouvido. Real.
- Fique atenta aos obstáculos como portas se abrindo, carros que diminuem a velocidade, buracos na pista e animais.
- Jamais se esqueça dos seus documentos e compartilhe seu trajeto com amigos. Se possível com aplicativos de rastreamento como o Strava.
- Não deixe se se equipar com luzes de segurança, cadeados, espelho retrovisor, adesivos reflexivos e campainha.
- Antecipe como os outros vão se movimentar e permita que outros antecipem o que você vai fazer.
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E vem comigo na série sobre triatlo, minha paixão.
Imagem de destaque – Dissolve.