Ontem aconteceu a prova de triatlo olímpica feminino. Uma machete descreveu a disputa como “Discussão, suor e lágrimas: americana supera pressão e leva o ouro no triatlo” pra descrever a performance de Gwen Jorgensen. Legal, parabéns, ninguém aqui está pensando em menosprezar a conquista. O assunto é outro – a completa inexistência de atletas negres no esporte, pelo menos competindo profissionalmente.
Isso não quer dizer que nós não podemos sonhar, né não? Esse sonho, pelo menos para mim, tem mais de dez anos, desde o tempo em que acompanhava Fernanda Keller na televisão. Alguém que para mim, por conta do tom de pele sempre bronzeado, era negra. Mas entre ver alguém na telinha, sentir a vontade de fazer também e realizar a coisa, leva tempo. E mais ainda se você amiga, é negra.
Sou dessas que discorda até que futebol e corrida são esportes democráticos. Não são. Triatlo não é diferente . Só é pior. Mas a gente sempre pode dar um jeitinho. E aqui não tem caô, a coisa é mesmo montada pra ser praticada exclusivamente pelas zelites e precisamos de um plano mirabolante para mudar esse cenário (leia-se uma mudança nas leis newtonianas para que sejam pensadas políticas públicas e/ou ir comendo pelas bordas enquanto, como estou fazendo e tantas outras).
Desde ver Fernanda na telinha já se foram pelo menos 10/15 anos e pela primeira vez na vida, estou bem perto de reunir o <<<<<pacote básico>>>>> para praticar a atividade. Ainda falta uma porrada de coisas, por conta de tempo, de grana, de conhecimento. Mas já tenho acesso a uma piscina (olha o rolê que privilegiado, mesmo se a gente der um jeito pra ir numa piscina pública), tenho uma bike speed (usada, que foi comprada numa promoção imperdível que era tudo ou nada) e acesso à um treino para fortalecimento do joelho (para não agravar a artrose e acabar com qualquer sonho).
Tou reclamando? Não. Tou explicando como a banda toca. O que já foi feito e o que falta fazer. Apenas. Mas…
O que falta mesmo? Tempo para treinar na piscina, ta dahhhhhhh!!! Porque triatlo a gente treina duas modalidades por dia. Imagina quem trampa fora de casa como faz. Falta saco para ir até a nutricionista, porque a certeza é de ouvir que fazer esporte e ser vegetariana não funciona, que precisa de carne, blá, blá, blá whiskas sachê. Confesso que precisa ver uns lances de distúrbio alimentar. Faltam as planilhas, para saber o que treinar, como e quando. Quem já fodeu os dois joelhos fazendo as coisas de cabeça sabe do que estou falando.
Falta um tênis de corrida adequado, por enquanto uso um de trilhas, não precisa lavar tanto, que dura mais ainda que acabe com o joelho (ele, sempre ele). Falta grana para pagar as inscrições de provas (quem já viu o precinho de uma provinha basiquinha? Porque né, ninguém treina pra ficar em casa vendo prova pela televisão minha gente). As passagens para competir, para fazer os simulados, que aqui em São Paulo ficam num lugar que você chega de carro ou de carro, ta dahhhhhh. Ou então vai de bike senta e fica vendo o povo treinar.
Ou sejeeeeeeeeeee, quando a matéria diz que triatlo é sangue, suor… A gente entende, é verdade. Mas não é tudo. Triatlo é acesso, é ter grana. Não é por acaso que somente em 2014 – VOU REPETIR – somente em 2014 a primeira pessoa negra competiu no triatlo masculino nos Estados Unidos – Max Fennell. Agora para e pensa que já tinha presidente preto (o que na real não significa uma real inclusão) mas não triatleta. Para isso acontecer muitos são amadores e aqui não é diferente. Outro dia encontrei um cara na bicicletaria na mesma sofrência. Quantos mais?
Então bacana, parabéns Gwen Jorgensen. Teve a emoção da chegada, a conversa entre as adversárias, choro, a corrida excepcional e não sei o quê. Mas… A prova não teve a menor graça. Como assim não tinha uma ÚNICA atleta negra? Pô gente, nem estamos sendo chatas, queremos uma só. É complicado? Bom amigues, se vocês imaginarem que tem bike custando 75 paus, a coisa complica mesmo. Daí nem tem graça ver prova olímpica.
Fica meio deprê. Por outro lado dá mais vontade de treinar. Porque sim.
Imagem de destaque – Ayesha McGowan, que está para se tornar a primeira ciclista megra no circuito profissional norte americano.