Reeducação alimentar. Mais uma dieta da moda, mas um estilo de vida impossível de seguir, mais uma frustração. Mas é somente pra emagrecer que serve repensar aquilo que você come? Ou estamos falando de algo muito maior, que tem haver com a nossas emoções e está repleto de significados?
Num país onde a insegurança alimentar ainda é uma verdade, como devemos enxergar a comida? E o que fazer com as inúmeras ordens de comando para comer e assim ser feliz? Onde é que me encaixo nisso tudo como uma mulher negra e feminista, cujo peso oscila enormemente aos longo dos anos? Estou fazendo isso para me adequar ou por motivos sérios e necessários?
Foram nessas questões que pensei durante o mês passado inteiro. Comer bem (ou de maneira adequada para você) é uma lista de alimentos proibidos, é contar calorias e equilibrar a quantidade de carboidratos, proteínas e gorduras na dieta? É pensar em quantos quilos perder por semana? É saber de cor e salteado quais são os benefícios de cada alimento e de cada vitamina?
Mas porque fazer uma reeducação alimentar, seja lá o que isso quer dizer?
Essa foi a mais desafiadora das perguntas que fiz a mim mesma. Porque deveria me dedicar a pensar na alimentação se não estou preocupada em emagrecer ou controlar algum sintoma em específico do meu transtorno alimentar. Porque fazer qualquer mudança se a bulimia nervosa não é um problema imediato? Mas será que não estou querendo emagrecer mesmo após ter ganho quase 25 quilos?
Imaginei que na realidade meu objetivo fosse emagrecer. E percebi que essa é uma grande motivação e me senti muito mal por me render a um padrão. Ao mesmo tempo seria injusta comigo mesmo se não levasse em conta fatores como a piora significativa da asma que me impede de subir e descer um lance de escada, as dores no joelho que já me fizeram gritar baixinho durante a noite, os avisos de quem pode mais que eu.
Foi Dona Teresa, minha mãe, que me pediu nesse sábado para voltar a correr. Ela tem falado sobre isso toda vez que me vê, talvez por presenciar com frequência os efeitos da minha má alimentação. Minha família é magra, porém com a migração do nordeste para o sudeste, adquiriu outro perfil. É como se o nosso corpo não estivesse preparado para o aporte massivo de carboidratos, açúcar refinado e frituras. E todos que envelhecemos sofremos por conta disso, nos tornando diabéticos, hipertensos, cardíacos e tendo nossa mobilidade afetada.
O primeiro mês
Foi o pedido de dona Teresa e a lembrança do meu histórico familiar, além de todas as dores e limitações que tem sentido, que me querer emagrecer. Mas quero fazer isso de uma forma diferente, sem me adoecer para alcançar o número impossível na balança. Sabendo que mesmo com a perda de peso, meu corpo nunca será padrão por suas marcas, cicatrizes, por sua cor. Nunca será tranquilo vestir um biquíni, mas será menos dolorido subir uma escada e quem sabe, voltar a correr.
Estabelecidos meus critérios, comecei o processo. Não mudei absolutamente nada na minha alimentação, talvez aumentando um pouquinho a ingestão de saladas, um hábito que eu havia abandonado. Assim que eu percebi que havia perdido esse costume, foi como se algo tivesse sido ligado outra vez dentro de mim. Tinha fome de folhas verdes, de brócolis, de couve. E logo recomecei a ingerir esses alimentos. O mesmo não aconteceu com as frutas.
Anotei meu peso a cada semana sem qualquer juízo de valor, apenas para associar o aumento ou a queda de peso a outros fatores como menstruação, euforia ou depressão, algum aumento eventual da carga de trabalho ou qualquer outra coisa. Porém sempre com a preocupação de não conferir qualquer significado a esses números para além de uma simples oscilação numa tabela, sem culpa ou comemoração, muito menos medo orgulho.
Reeducação alimentar pra mim é muito mais que a soma das calorias ingeridas, até mesmo porque não tem o menor paciência pra isso. É sentar com a minha família numa refeição, ter paciência para esperar até que todos se sentem e esperar até que todos terminem antes de sair da mesa. É sentir o sabor dos alimentos, desenhar flores no suco de maracujá e perceber que é impossível tomar tanto café sem sentir dor de estômago. Nem sempre meu foco será o emagrecimento, mas quando isso acontecer vou aceitar que preciso fazer isso.
Próximos passos
O próximo objetivo é repensar a saciedade. Não estou fazendo de fato uma dieta, não quero controlar de forma doentia comida. Vou me alimentar quando tiver fome, sem me submeter a períodos de jejum intermitente prolongados agora. Ao mesmo tempo, não me alimentarei durante a noite para evitar sintomas de refluxo, uma coisa que é bem chata.
E como meu objetivo é ter uma dieta estritamente vegetariana, vou procurar diminuir o consumo de queijo. Tenho introduzido algumas alternativas como castanha e amendoim que me ajudam a entender melhor a sociedade e a não ter desejos malucos por queijo. As pastinhas de Tofu serão minhas grandes amigas, um alimento que adoro e que pode ser consumido de várias formas.
Muito mais que comida
Esse foi o mês em que completamos 21 anos de relacionamento. E passamos a discutir a possibilidade de abandonarmos de vez a união estável para encarar um casamento, quem sabe? Mas confesso que foi uma música internacional que mexeu com meu sentimentos no final de setembro. Sempre fui fã de Boy George e Culture Club, apesar de toda crítica que podemos tecer.
Recentemente descobri a última canção do grupo que se chama Let somebody love you. Fui às lágrimas por causa do título, “deixe que alguém te ame”. Se eu pudesse, cantaria esta canção pra todas as mulheres negras que conheço. Não num tom de acusação ou de desafio, mas para falar da certeza de que não estamos sozinhas… Essa é a minha meta para outubro.
Image: The independent