“o recurso (da telemedicina) tem se mostrado uma opção menos onerosa do que as consultas presenciais e atendimentos de pronto-socorro, o que o torna um atrativo para o paciente e para as fontes pagadoras.”
“Além dessas vantagens, há a questão da mobilidade e alcance da internet. Nos grandes centros urbanos, o recurso agiliza as consultas e evita que as pessoas percam tempo nos trajetos. Já nas outras regiões, a telemedicina atua como facilitadora de acesso, abrangendo áreas mais afastadas”.
Ou seja, a nova tendência do pós-pandemia parece ser uma grande promessa. O texto continua: “são fatores como estes que apontam o novo modelo como um grande aliado do mercado da Saúde, cujo desafio está na sua ampliação e incorporação às práticas de atendimento no futuro.”
Parece bom não é? Apenas pare.
Em primeiro lugar, preciso dizer que não sou avessa à tecnologia. Entretanto conheço um pouco sobre o modo como ela funciona e como seu acesso e alcance são seletivos. Suas promessas nem sempre são cumpridas. Isso por uma questão muito simples. Porque a tecnologia é feitas por pessoas, não é neutra como qualquer outro campo da atuação humana. E por isso também reflete as contradições que existem dentro de uma sociedade. Sobretudo em contextos de aprofundamento das desigualdades como um mundo após pandemia.
Autocuidado não é romance
Paralelamente a isso, no mundo que se avizinha (para alguns) o discurso do cuidado e autocuidado se tornará ainda mais central. Certamente não para cuidar das pessoas. Isso já acontece quando um corpo não é padrão. Aliás, pergunte às mulheres “acima do peso” sobre como essa ideia é transformada em violência no seu cotidiano. E quantas vezes por dia escutam que precisam se cuidar. Ademais, perceba como mundo comemora cada emagrecimento, como aconteceu com a cantora Adele recentemente.
Assim, a idéia de que a tecnologia está disponível para todos associada a uma aproximação romantizada sobre autocuidado pode contribuir para o argumento de que tudo se resolve com um aplicativo de telemedicina na mão.
Contudo, falar sobre saúde e cuidado é uma discussão política cujo lastro é o pensamento de uma lésbica negra e feminista, acometida por câncer de mama. Seu nome era Audre Lorde. Se você fala de cuidado e auto cuidado sem mencionar esse nome, algo está muito errado.
Não precisamos ir muito longe certamente. Tem quem use aplicativos esportivos para facilitar sua vida. Para outros, essa é uma saída para treinar sem grana. E infeliz e certamente a ideia do telecuidado poderá se tornar um “parâmetro oficial” dentro do próprio SUS. Esse é meu maior temor.
E daí se a pessoa não para de fumar por exemplo, a culpa é dela. Todo mundo sabe que deve ficar em casa ora bolas! A culpa é das pessoas que não estão aderindo aos protocolos de confinamento, dirão. Ora, tanto aplicativo esportivo, você não treina porque não quer!
A telemedicina pode matar pessoas
Essa estória de telemedicina por exemplo. Vão chamar até de “autocuidado apoiado” que é um modelo em que profissionais de saúde colaboram para que você possa aderir à praticas de cuidado e autocuidado.
Inegavelmente pode ser transformada em uma prática dos planos de saúde e até mesmo dos gestores de saúde para dizer que estão cuidando. Que estão próximos a seus clientes e cidadãos prevenindo doenças. Democratizando o acesso à saúde. Mesmo que estejam apenas cortando custos e hierarquizando a existência das pessoas. Definitivamente não bom.
Para algumas mulheres e homens, isso pode significar a vida e a morte. Veja o caso de quem pode vir a desenvolver um câncer de mama. Um câncer de próstata. Ou ainda, uma crise de TAB (Transtorno Afetivo Bipolar). Uma vez que um teleatendimento pode ser uma maneira bastante cruel de não tocar essses corpos, de negar atendimento. De roubar seu direito à saúde e portanto sobreviver. Isso quando der para fazer essa parada aí.
Nesse meio tempo as pessoas vão morrendo. Esse é o tamanho do problema.
Referências
Telemedicina avança com pandemia e setor descobre novas perspectivas no atendimento